Milícia

Milícia é uma organização paramilitar que atua de maneira ilegal, exercendo controle sobre um território. O miliciano é um criminoso violento que explora a população.

Milícia é um grupo paramilitar que exerce ilegalmente o poder sobre territórios da cidade com objetivo de lucrar e acumular poder político. No Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, a milícia representa um grupo armado ilegal que surgiu em um contexto de ausência do Estado em prover segurança pública eficaz.

A milícia controla territórios e explora economicamente comunidades vulneráveis. Diferentemente de facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas, as milícias diversificaram suas atividades econômicas, lucrando com serviços essenciais (como gás, transporte e internet clandestina), grilagem de terras e especulação imobiliária.

Apesar de atuarem à margem da lei, sua proximidade com o aparato estatal e o discurso moralista de combate ao crime conferem a elas uma aparência de legitimidade que dificulta seu combate.

Leia também: Violência no Brasil — origem, dados atuais e relação com as desigualdades sociais do país

Resumo sobre milícia

  • Milícia é um grupo paramilitar que exerce ilegalmente o poder sobre territórios com objetivo de lucrar e acumular poder político.
  • As milícias surgem em contextos em que há a ausência ou ineficiência do Estado no atendimento da população.
  • Milícia é crime, pois todo controle da milícia sobre o território é exercido de forma ilegal.
  • No Brasil, a milícia tem foco econômico e político.
  • Faz parte do crime organizado.
  • Tem origem nos esquadrões da morte e grupos de extermínio, que ganharam força durante a Ditadura Militar.
  • A milícia tem atuação significativa no Rio de Janeiro.
  • As milícias lucram com serviços como segurança privada, venda de gás, internet e TV clandestinas, transporte alternativo e especulação imobiliária.
  • Diferentemente de outros países, a milícia o Brasil tem vínculo direto com o aparelho estatal.
  • A Lei nº 12.720/2012 foi criada para criminalizar as ações das milícias.
  • A corrupção e o poder que esses grupos exercem sobre instituições públicas dificultam a aplicação delas.

O que é milícia?

Milícia é um grupo paramilitar que exerce ilegalmente o poder sobre territórios da cidade com objetivo de lucrar e acumular poder político. Milícia é um termo que muda completamente de significado em diferentes contextos. Por exemplo, na República Democrática do Congo ou na Colômbia, a milícia atua com motivações étnicas ou ideológicas, enquanto no Brasil ela tem foco econômico e político.

Entretanto, a milícia também apresenta características comuns, como a ausência ou ineficiência do Estado no atendimento da população. Toda milícia precisa desse espaço para atuar.

No Brasil, milícia é um grupo armado paramilitar que participa da disputa por territórios da cidade, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, onde ela atua paralelamente às forças estatais com impunidade.

Atualmente, a milícia é mais uma organização do crime organizado que disputa territórios nas principais capitais do país. Ela se diferencia de outros grupos armados pelo seu poder político, além de contar com uma visível conivência dos agentes de segurança pública.

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Em outras partes do mundo, a milícia manifesta-se com características muito diferentes do contexto brasileiro. Existem grupos semelhantes, e também muito diferentes, em várias partes do mundo, atuando como forças paramilitares ou grupos de autodefesa, com destaque para países como Estados Unidos, México, Colômbia, Líbano, República Democrática do Congo, Ruanda, Ucrânia e Rússia.

Veja também: Qual a origem das favelas?

O que é ser miliciano?

Ser miliciano significa integrar ou apoiar ativamente um grupo armado ilegal conhecido como milícia. No Brasil, o miliciano atua em áreas urbanas, mais ou menos periféricas, e conta com a conivência ou omissão de autoridades públicas. O miliciano muitas vezes é um agente do Estado (como um policial ou um guarda municipal) que atua como se fosse um justiceiro interessado em defender uma comunidade.

No entanto, com o ar do tempo, a comunidade percebe que o miliciano é um criminoso violento interessado em explorar economicamente a população. O miliciano cobra taxas por “serviços de proteção”, explora os meios de transporte e lucra com a venda de gás, internet e TV clandestinos. O miliciano também pode atuar no loteamento irregular de terras, vendendo ou alugando imóveis, por isso pode ser confundido com um agente imobiliário.

Milícia é crime?

Sim, a milícia é crime. Todo controle da milícia sobre o território é exercido de forma ilegal. A milícia lucra cobrando taxas extorsivas sobre os mercados de serviços essenciais para a população: água, luz, gás, TV a cabo, transporte e segurança. Além disso, a milícia constrói, compra e vende imóveis em áreas proibidas e que colocam em risco a vida das pessoas.

Uma van no Rio de Janeiro, tipo de transporte que paga taxas à milícia.
Trabalhadores dos transportes alternativos são obrigados a pagar taxas aos milicianos para poderem trabalhar.[2]

Todo o controle da milícia é exercido de maneira arbitrária por meio da coerção e pelo uso da força bruta. Milícia é ilegal e quem defende os grupos paramilitares está fazendo apologia ao crime organizado.

Crimes cometidos pela milícia

O modelo de negócios das milícias é baseado na exploração econômica e no controle armado. Nos locais sob o seu domínio, a milícia lucra de várias formas:

  • construindo e vendendo empreendimentos imobiliários;
  • aliciando moradores e comerciantes, dos quais cobra taxas para o uso de internet e outros serviços;
  • atuando como grupos de extermínio e como assassinos profissionais.

De todos os crimes cometidos pela milícia, o caso Marielle Franco foi o que alcançou maior repercussão. A vereadora da cidade do Rio de Janeiro foi assassinada em 2018 juntamente de seu motorista, Anderson Gomes. As investigações da Polícia Federal, concluídas em 2024, mostraram que o assassinato de Marielle foi executado por uma milícia formada por ex-policiais militares.

Marielle Franco, vereadora e vítima da milícia.
Membros da milícia foram condenados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco, que ocorreu em 2018.[3]

A conclusão da investigação condenou os mandantes Francisco e Domingos Brazão, dois políticos cariocas, além do ex-chefe da polícia civil do Rio Rivaldo Barbosa. Além do caso Marielle Franco, outro crime cometido pela milícia resultou no desabamento de prédios na comunidade da Muzema, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em abril de 2019. Esses prédios foram construídos e vendidos de forma ilegal por uma milícia que não seguiu as normas de segurança e construção.

O desastre resultou na morte de várias pessoas e chamou a atenção para o controle que as milícias exercem sobre o mercado imobiliário em áreas periféricas, explorando a necessidade de habitação a preços íveis.

Objetivos da milícia

Os objetivos da milícia, no Brasil, fazem parte de um projeto de poder que, mais do que a ordem democrática, ameaça a existência do Estado de direito. Destacamos uma lista com os principais objetivos da milícia na atual fase de sua história:

  • fortalecer e diversificar o modelo de negócios baseado no controle territorial, lucrando com venda de imóveis e cobrando taxas por proteção, internet e outros serviços;
  • estabelecer relações espúrias com poderes públicos regulatórios para corromper os órgãos que deveriam fiscalizar os territórios dominados pela milícia; 
  • inserir representantes ligados à milícia no sistema de representação política: câmaras de deputados e vereadores, tribunais de conta, secretarias de governo, órgãos de fiscalização;
  • mobilizar as bases sociais da milícia, formadas por categorias profissionais militares bem como por lideranças religiosas e comunitárias que legitimam a milícia nas áreas em que estão presentes.

Milícia no Brasil

Embora a milícia no Brasil seja um fenômeno marcante, grupos armados com características semelhantes existem em outras partes do mundo. No Brasil, contudo, a milícia é diferente por sua relação estrutural com agentes do Estado e por sua capacidade de operar na “zona cinzenta” entre legalidade e ilegalidade.

No Brasil, a milícia tem uma relação estrutural com os agentes públicos. Os milicianos podem ser policiais ativos ou aposentados, bombeiros, agentes penitenciários ou membros das forças armadas. Essa relação confere à milícia uma aparência de legitimidade e dificulta seu combate. Portanto, esse vínculo direto da milícia com o aparelho estatal é o que diferencia a milícia no Brasil de outras milícias no mundo.

Combate à milícia

O combate à milícia de forma eficaz pode ser feito por meio de soluções que envolvem:

  • reforçar a presença estatal nos territórios dominados pela milícia por meio da oferta de serviços básicos: segurança, saúde, educação, cultura;
  • istrar a violência policial contra as facções ligadas ao narcotráfico, uma vez que ações brutais planejadas para ass traficantes alimentam a lógica expansionista da milícia;
  • regulamentar e fiscalizar efetivamente os mercados ilegais aos quais a milícia associa os seus negócios;
  • estabelecer transparência política para impedir que representantes ligados à milícia sejam candidatos eleitos ou ocupem cargos públicos.

No Brasil, o combate à milicia tem tido uma eficácia muito limitada. A Lei nº 12.720/2012 foi criada para criminalizar as ações da milícia no Brasil. No entanto, a sua aplicação e fiscalização é reduzida pela ação da milícia, que exerce poder sobre os órgãos públicos responsáveis por combatê-la.

Em resumo, os poderes de combate à milícia são inferiores à força da milícia para superá-los devido à corrupção de agentes públicos e à ausência do Estado. Além disso, o modelo de segurança pública brasileira, militarizado e autoritário, e um tanto viciado em operações policiais letais contra as facções criminosas, acaba por criar uma cegueira no combate às milícias.

Qual a diferença entre milicianos e traficantes?

Favela da Rocinha em texto sobre milícia.
Traficantes e milicianos atuam em áreas semelhantes, mas em modelos de negócios diferentes.

No contexto do Rio de Janeiro, tanto milicianos quanto traficantes integram grupos armados que controlam o território em áreas urbanas marcadas pela ausência do Estado. No entanto, existem diferenças entre milicianos e traficantes em termos de origem, operação e ralação com o Estado e seus agentes públicos.

Enquanto os traficantes integram facções criminosas ligadas ao narcotráfico, os milicianos inicialmente atuavam como uma “defesa” contra a chegada do tráfico de drogas. Além disso, os milicianos surgiram de grupos de extermínio formados por agentes do Estado, como policiais e militares, enquanto os traficantes se organizaram com base no sistema prisional brasileiro.

As diferenças entre milicianos e traficantes também am pelo modelo de negócios. Para os traficantes, a principal atividade econômica é o comércio de substâncias proibidas, apesar de também atuarem na venda de armas e extorsão. Os milicianos diversificam suas atividades econômicas cobrando por proteção, por serviços essenciais, grilagem de terras, venda ilegal de imóveis e participação em esquemas empresariais e políticos milionários. Ambos os grupos utilizam a intimidação e a violência para consolidar o seu domínio. Não é impossível que os milicianos participem da venda de drogas.

Milícia x facção

Durante as décadas anteriores (2000 e 2010), a milícia conheceu uma expansão sem precedentes, chegando a superar as facções tradicionais em extensão e população sob domínio. Em 2019, a milícia estava presente em 57,5% da área territorial do Rio de Janeiro e controlava 31% da população carioca.

As disputas entre milícia e facção são constantes e resultam em confrontos armados e mortes de criminosos e civis inocentes. Essas disputas contribuem para o alto índice de homicídios no Rio de Janeiro e, atualmente, representam um dos maiores desafios da segurança pública fluminense.

Saiba mais: O que é considerado terrorismo?

Origem da milícia

A origem da milícia no Brasil remonta aos anos 1940 e 1950, quando o Rio de Janeiro ainda era a capital federal, e a milícia também era chamada de “polícia mineira” ou “esquadrão da morte”. Durante a Ditadura Militar (1964-1985), quando os agentes de segurança do Estado justificavam a violência para manter a ordem, a milícia ficou mais organizada e esteve ligada à contravenção, atuando principalmente como grupo de extermínio.

Tudo isso mudou com o fim da ditadura e a chegada do tráfico de drogas. Houve um crescimento na disputa pelo controle territorial armado na cidade, com várias facções controlando territórios da cidade para vender drogas no varejo. Nesse contexto, a milícia ressurgiu como um grupo armado paramilitar que propõe uma defesa comunitária contra a expansão dos grupos que vendem drogas, um processo que acelerou bastante durante os anos 2000.

No Rio de Janeiro, a partir de 2007 e 2016, houve um surto de crescimento urbano impulsionado por megaeventos: Jogos Panamericanos, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. Esse crescimento urbano favoreceu a expansão da milícia, especialmente na Zona Oeste da cidade, onde ela lucrou com a grilagem de terras e a especulação imobiliária.

Segundo o pesquisador Bruno Paes Manso, a milícia surge tentando exercer um controle territorial armado por meio de uma série de negócios na Zona Oeste do Rio de Janeiro, argumentando que assim faria uma autodefesa comunitária contra a expansão das facções de traficantes, que estavam mais concentradas nas zonas Norte, Sul e Centro do Rio de Janeiro.|1|

Com base nesse argumento, a milícia virou mais um grupo armado que participa da disputa por territórios no Rio de Janeiro, usando o loteamento de terrenos para a venda de imóveis, o aliciamento de comerciantes e a exploração econômica dos moradores.

Nota

|1| MANSO, B. P. A República das Milícias: dos esquadrões da morte à Era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.

Créditos das imagens

[1] Denis Kornilov/ Shutterstock

[2] beamarrtinss/ Shutterstock

[3] Wikimedia Commons

Fontes

MANSO, B. P. A República das Milícias: dos esquadrões da morte à Era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.

SOARES, R. Milicianos. Grupo Companhia das Letras, 2023.

Homens segurando arma de fogo, representando a milícia.
O miliciano é um criminoso violento interessado em explorar economicamente a população.[1]
Publicado por Rafael Pereira da Silva Mendes

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